quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Hora de me vestir

     Olhei-me no espelho e vi que só sou bonito por ser um homem. Meu corpo é exato e forte, um dos motivos imagináveis que faz com que me sinta desejável. Escolho uma roupa qualquer, quase sem modelo, o modelo é o meu próprio corpo mas ... enfeitar-me é um ritual que me torna grave. A vestimenta já não é um mero tecido, transforma-se em matéria de coisa e é esse estofo que com o meu corpo ela dá corpo - como pode um simples pano ganhar tanto movimento?
     Meus cabelos de manhã lavados e secos ao sol, estam da seda castanha mais antiga - bonito? Não. Homem. Passo perfume no nascimento das articulações - o ar é perfumado com o cheiro de mil folhas e flores esmagadas - e essa é uma das imitações do mundo, eu que tanto procuro aprender a vida - com o perfume, de algum modo intensifico o que quer que eu seja e por isso não posso usar perfumes que me contradigam. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva, vinda de (primeiramente) milênios de mulheres aparentemente passivas.
     Aprendo que, como toda arte, esta exige que eu tenha um mínimo de conhecimento de mim: uso perfume levemente sufocante, gostoso como húmus, como se a cabeça deitada, esmagasse húmus, cujo nome não digo a ninguém porque ele é meu, é eu, já que para mim perfumar-se é um ato secreto e quase religioso.
     Orelhas apenas únicas e simples, alguma coisa modestamente nua. E há também algo em meus olhos que diz com melancolia: decifra-me, meu amor, ou serei obrigado a devorar-te, agora pronto, vestido, o mais bonito quanto posso chegar a ser. Me comporto como um virgem que não sou mais. Estranho que no entanto parece não adivinharem que quero amor.
     Me vi de corpo inteiro ao espelho, quero não ser mais um corpo único. Ser um único corpo me dá, como agora, a impressão de que fui cortado de mim mesmo. Ter um corpo único circundado pelo isolamento, torna tão delimitado esse corpo, que então me amedronto de ser um só. Digo, deslumbrado ao me ver avidamente de perto no espelho: como sou misterioso, sou tão delicado e forte, e a curva dos meus lábios mantém a minha inocência.
     Parece então, que não há homem ou mulher que por acaso não se tivesse olhado ao espelho e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fração de segundo a pessoa se vê como um objeto a ser olhado, o que poderiam chamar de narcisismo, eu chamo de: gosto de ser. Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna é fascinante. Então é verdade de que não imginei: Eu Existo.

2 comentários:

Arthur Rocha disse...

gosto da maneira como vc escreve ;D

Unknown disse...

''...Decifra-me meu amor....'' o Difícil é isso Tércinho....o Difícil é exatamente isso..
Cada dia uma surpresa...a cada momento,mais e mais admriração!!!!